Arqueologia de um poema inexistente

Rute Ferreira
Aug 4, 2024

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Jovem mulher à janela, de Henri Matisse, 1921

Tento escavar mas o som da torneira pingando me suspende — pauso a escavação.

me apoio nas finas hastes de vassouras na finura do varal: desequilibro e esqueço o intrincado oficio de escavar.

Recomeço. O som da água agitando as margens da pia

[a inesquecível face de tudo que é cotidiano e normal

eu, muda, tentando fingir que não ouço.

me seguro nos delicados bordados sobre a mesa

nos tapetes rente às portas.

Escavar, escrever. Procurar.

é noite, eu quero escavar, preciso escavar.

Mas o som da água deslizando sobre a pia me recorda

nem todo dia é pra escrever poesia.

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