Cigana
ou endereço para correspondências
Meus cabelos espalhados pelo chão
sorteados na mobília
esquecidos nos lençóis
[e como se fosse possível tua voz a lamber o meu ouvido dizendo que meus cabelos estão espalhados pelo chão sorteados na mobília esquecidos nos lençóis]
Pulseiras
batons
ligas de cabelo que se partem
[e te escuto dizer com a voz de ós fechados que minhas pulseiras batons e ligas de cabelo que se partem estão entre teus sapatos tuas cortinas tuas louças teus perfumes
sobretudo entre os perfumes]
Prendo a liga de cabelo no meu braço mas já sei que vou deixá-la
nos cantos dos bancos no sofá nas tuas pernas que enrodilham minha cintura
e que depois os meus cabelos
estarão presos em tuas mãos e na bancada da cozinha.
Minha pele vai ficando em tua casa
porque ora me queimo ora congelo
e minha vista de cigana intui de largo
que teu corpo encontra os restos
que espalho pela casa: tantos feitiços jogados — tantos pães e maçãs.
E um dia assim calculadamente mas
sem sequer me dar conta
deixei mais de mim e te avisei:
esqueci aí um livro.
Era isso que faltava porque […]
e
desde então meus cabelos minhas ligas de cabelo minhas unhas minha pele e tudo mais
repousam [desconfiadamente
no escandaloso musgo da tua retina e entre os teus perfumes
sobretudo em teus perfumes.