Escombros

eu sonhei esse poema e adormeci

Rute Ferreira
2 min readNov 21, 2024
Paisagem, de Jackson Pollock, 1937

Há o sentido dos escombros e nada além daqui:

a linha sob minha clavícula e

essa sombra sob meus olhos e

esse prateado entre certas linhas de meus cabelos

{ignoro o íntimo vislumbre dessas mãos.

observo meus ombros sob a claridade tão clandestina e a pele nua que [silenciosamente reconheço]: é minha pele nessa curva dos meus ombros.

escondo o inaceitável resistir — romper com a ponta dos dedos.

recomeço: a linha sob minha clavícula

o osso alumiado sob minha pele

sob minha carne fibras linhas tanto corpo

e a linha sob minha pele.

tudo embaixo}

tudo sob}

já não há nada além dos escombros e ainda assim pergunto:

— sob minhas linhas cabelos fios e partículas invisíveis de unhas (sob o esbranquiçado de minhas unhas), quem se importa?

não há nada além dos escombros

a voz da cigana repudiada é que repete:

sob tuas carnes e teus ossos tuas linhas teu sigilo contante de existir

não me conformo e peço ainda outra voz

mas a feiticeira esquecida geme e nada diz — e não há nada além de escombros

repete seu olho e vejo pela linha d’água que esse olho também é meu

que a voz da cigana e da feiticeira é a minha

que as mãos sob os vestidos os dedos sob os lençóis e a pele sob o clarão os ossos sob o tecido: tudo meu e eu.

então observo: é ele — o íntimo silêncio dos escombros

o clarão distante que me há de salvar.

Unlisted

--

--

No responses yet