Narciso e Eco (estudo), de Zinaida Serebriakova, c.1917

O sentido das raposas

Rute Ferreira

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Costuro teu nome como quem borda um segredo: começo pelas formas mais simples e penso que nem assim.

Desenho nas águas o sinal para que não se perca o sentido.

Teus olhos atentos.

(teu olho quase âmbar que me lembrou, sem nenhuma conexão aparente, que raposas gostam de amoras)

Teu olhos que alisam os pêlos do meu corpo inteiro e ainda assim.

Recomeço o trabalho de tecer e digo teu nome em silêncio — quem sabe assim eu o amarre ao meu peito

e o reflexo das tuas mãos nas águas

a delicada tessitura do teu ser.

Teus olhos argutos — e como se pudessem explorar o Duplo, também ingênuos

deslizando por minha pele a pergunta e eu respondo sim.

Que sim.

Respondo sim e o cheiro que agora me pertence invade os fios as linhas as agulhas

todos os tecidos que se movem sobre mim e atropelam a claridade do dia

a luz da manhã

quando teus olhos estão fechados e suspiras num lugar que não acesso

e num lento bater de cílios depositas — como se possível — toda a alacridade de existir

(e penso de novo nos sentidos das raposas).

Teus olhos se abrem e a costura cede: pergunto se são laços ou nós, essa linha de fogo, esse bordado que arde e esquenta quando sobre minha pele.

Teus olhos e sim.

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